domingo, 6 de fevereiro de 2011

Um pouco de Pessoa para as pessoas

O Mistério das Cousas


"Há Metafísica bastante em não pensar em nada.



O que penso eu do mundo?


Sei lá o que penso do mundo!


Se eu adoecesse pensaria nisso.


Que idéia tenho eu das cousas?


Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?


Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma


E sobre a criação do Mundo?


Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos


E não pensar. É correr as cortinas


Da minha janela (mas ela não tem cortinas).


O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!


O único mistério é haver quem pense no mistério.


Quem está ao sol e fecha os olhos,


Começa a não saber o que é o sol


E a pensar muitas cousas cheias de calor.


Mas abre os olhos e vê o sol,


E já não pode pensar em nada,


Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos


De todos os filósofos e de todos os poetas.


A luz do sol não sabe o que faz


E por isso não erra e é comum e boa.


Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?


A de serem verdes e copadas e de terem ramos


E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,


A nós, que não sabemos dar por elas.


Mas que melhor metafísica que a delas,


Que é a de não saber para que vivem


Nem saber o que não sabem?


"Constituição íntima das cousas"...


"Sentido íntimo do Universo" ...


Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.


É incrível que se possa pensar em cousas dessas,


É como pensar em razões e fins


Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores


Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.


Pensar no sentido íntimo das cousas


É acrescentado, como pensar na saúde


Ou levar um copo à água das fontes.


O único sentido íntimo das cousas


É elas não terem sentido íntimo nenhum.


Não acredito em Deus porque nunca o vi.


Se ele quisesse que eu acreditasse nele,


Sem dúvida que viria falar comigo


E entraria pela minha porta dentro


Dizendo-me, Aqui estou!


(Isto é talvez ridículo aos ouvidos


De que, por não saber o que é olhar para as cousas,


Não compreende quem fala delas


Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)


Mas se Deus é as flores e as árvores


E os montes e sol e o luar,


Então acredito nele,


Então acredito nele a toda a hora,


E a minha vida é toda uma oração e uma missa,


E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.


Mas se Deus é as árvores e as flores


E os montes e o luar e o sol,


Para que lhe chamo eu Deus?


Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;


Porque, se ele se fez, para eu o ver,


Sol e luar e flores e árvores e montes,


Se ele me aparece como sendo árvores e montes


E luar e sol e flores,


É que ele quer que eu o conheça


Como árvores e montes e flores e luar e sol.


E por isso eu obedeço-lhe,


(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?),


Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,


Como quem abre os olhos e vê,


E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,


E amo-o sem pensar nele,


E penso-o vendo e ouvindo,


E ando com ele a toda a hora. "




Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Que venha fevereiro!